Livros perguntadores - Curadoria de Joana Rita Sousa e Júlia Martins
Espreita pela Janela é um livro que convida a olhar para dentro das casas, procurando adivinhar o que lá se passa. Nem tudo o que parece, é. Nem tudo o que aparece à janela, é. Será que a velhinha amorosa é mesmo amorosa? Para saber, basta espreitar pela janela e virar a página.
Katerina Gorelik, a autora do livro, presenteia-nos com momentos de humor. Nas suas ilustrações convivem dragões, lobos, capuchinhos e muitos animais. Cada dupla página cria um cenário diferente, um novo mundo que se abre aos olhos da pessoa leitora. Trata-se de um livro interactivo, na medida em que podemos mesmo espreitar pelas janelas. O movimento de virar a página equivale ao acto de entrar pela janela para pode ver, sentir, cheirar, experienciar o que se passa.
Este livro materializa a ideia de que tirar conclusões precipitadas pode ser MESMO uma atitude precipitada. Sublinha também que o nosso ponto de vista é só um ponto de vista e nem sempre temos toda a informação para poder dizer o que está a acontecer.
A elaboração do juízo: “E que velhinha tão amorosa se vê da janela!” está apoiada apenas naquilo que a janela nos permite ver. Ao virar a página, a velhinha deixa de ser assim tão amorosa e, de repente, já se fala de uma bruxa asssustadora.
O livro de Katerina Gorelik revela-se uma excelente ferramenta para pensar e trabalhar os enviesamentos. Espreita pela Janela demonstra que o viés de confirmação está bastante presente na forma como lemos o mundo. Se eu acreditar que os lobos são maus, quando vejo um lobo pela janela, então vou pensar que estará lá dentro a fazer algo mau (por exemplo, a comer a avózinha ou o Capuchinho Vermelho). O mesmo acontece com as velhinhas: se eu tiver como crença a ideia de que as velhinhas são umas queridas, nunca vou pensar que do lado de lá da janela está uma bruxa assustadora.
Outro viés que podemos trabalhar é o viés da expectativa, que diz respeito, não às minhas crenças, mas sim à antecipação que faço perante certas informações. As janelas presentes nas páginas do lado direito trazem à superfície as nosas suposições iniciais: ao ver uma parte da cena, as pessoas leitoras criam expectativas sobre o que vão encontrar se espreitarem um pouco mais. Estamos perante o viés de expectativa, onde as antecipações baseadas em pistas visuais influenciam aquilo que imaginamos.
Ao abrir a janela, as pessoas leitoras podem procurar os pormenores detalhes confirmam suas suposições, ignorando os elementos contraditórios – aqui entra o viés de confirmação. Por exemplo, ao ver um lobo aparentemente feroz, podem esperar agressividade e interpretar os seus actos como ameaçadores, mesmo que o lobo esteja apenas a ajudar alguém.
Além de ser um livro cuja leitura se revela divertida por nos convidar a adivinhar o que vamos encontrar do lado de lá da janela, a premiada obra de Gorelik revela-se uma excelente ferramenta para trabalhar os enviesamentos e, por conseguinte, o pensamento crítico.
Ao ler Espreita pela Janela, veio-me à memória o livro Zoom, de István Bányai, que também nos desafia a pensar e a (a)largar o nosso ponto de vista.
Nota das autoras: (*) por vezes, converso com o chatgpt sobre os textos que estou a escrever. as duas últimas perguntas foram sugeridas pelo chatgpt, depois de uma conversa sobre enviesamentos e sobre o recurso a este livro para a tomada de consciência desses mesmos enviesamentos.