Livros perguntadores - Curadoria de Joana Rita Sousa e Júlia Martins
Quando é que a Hadda Volta?
de Anne Herbauts (Orfeu Negro)
Oferece-nos uma pergunta no título. Trata-se de um magnifico livro onde as memórias e a saudade habitam em todas as palavras e imagens, ou melhor, em todos os recantos da casa: nas janelas abertas, no esvoaçar dos cortinados, nos vasos com plantas que habitam na varanda, no estendal da roupa e em todos os pequenos objetos e espaços que fazem da casa a nossa casa, onde o silêncio impera, mas onde a doce voz de Hadda se demora. A casa de alguém que partiu, mas que continua a habitá-la, onde os espaços e objetos transformam o passado em presente.
Quando é que a Hadda volta?
É uma pergunta teimosa. Dolorosa. Angustiada. Inconformada.
Uma pergunta que recusa o silêncio e a ausência.
Uma pergunta que procura um afago. O carinho de todos os dias.
Uma pergunta que busca incessantemente uma resposta
O Pai Natal não vive no Pólo Norte
de Afonso Cruz, com posfácio de Joana Bértholo (Fábula)
Caso tenha lido o livro Para onde vão os Guarda-Chuvas irá certamente reconhecer este livro de Afonso Cruz. O Pai Natal não vive no Pólo Norte é o capítulo 1 da Primeira Parte do romance editado pela Alfaguara, em 2013, intitulada “História de Natal - para crianças que já não acreditam no Pai Natal".
Trata-se de uma história resgastada de um livro imenso que li numa viagem de ida e volta aos Açores. Na altura lembro-me de ter registado que viajar de Lisboa para São Miguel demora cerca de 186 páginas do "para onde vão os guarda-chuvas” e que o regresso é 43 páginas mais rápido.
O resgate deste conto permite que esta História de Natal chegue ao público infantil, coisa que dificilmente aconteceria a partir do Para onde vão os Guarda-Chuvas.
Sou uma fã assumida da escrita de Afonso Cruz e é essa postura enviesada que me faz dizer que este livro é o meu conto de Natal preferido. Quero muito ler esta história a crianças e às pessoas adultas que não leram o Para onde vão os Guarda-Chuvas, e às que leram, para que se lembrem.
Tal como refere Joana Bértholo no posfácio, este livro encerra um paradoxo “entre o discurso e a situação, ou entre as expectativas e os resultados” que é comum em vários momentos da nossa vida quotidiana. Afonso Cruz já nos habituou a livros com esse tom paradoxal, tal como acontece com A Contradição Humana.
Confesso que não gosto particularmente da época natalícia. Sinto que a grande maioria das pessoas fazem de conta que são boas, dão presentes e ajudam associações. Durante um mês somos muito bonzinhos e solidários. Durante o resto do ano seguimos a nossa vida como se nada fosse.
Parece que a solidariedade tem uma data de início (quando se acendem as luzes de Natal nas cidades e há decorações natalícias nas lojas) e uma data de término (quando se desligam as luzes e acaba o prazo para trocar os presentes de Natal nas lojas).
Depois há ainda a ideia passada de geração em geração que só as crianças bem comportadas é que recebem bons presentes. Outra ideia: os bons presentes têm de ser sempre maiores e melhores do que aqueles que recebemos no ano passado. E os membros da família que competem entre si para ver quem dá a melhor prenda à neta?
Gosto muito do Natal, como já deu para perceber.
Gosto ainda mais de perguntas (e digo isto sem ironia)